MIGRAÇÕES FORÇADAS ENTRE A CRISTANDADE E O ISLÃO NA ÉPOCA MODERNA:
ESPAÇOS, SOCIEDADES E IDENTIDADES
A hostilidade marítima que ocorreu no Mediterrâneo e no eixo Mediterrâneo-Atlântico desde o início da era moderna causou o cativeiro de milhares de indivíduos das fações em confronto, num longo processo que durou até ao início do século XIX. Estima-se que durante esse período, cerca de um milhão e duzentas mil pessoas tenham sido cativas, quer como resultado de conflitos militares quer apreendidas por corsários e piratas no mar ou nas zonas costeiras marítimas e insulares.
A coexistência no mesmo território de populações de origem diversa, fruto destas migrações forçadas a par dos que se deslocavam livremente, obrigaram os governantes dos reinos e cidades que receberam estas ondas migratórias a determinar qual o grau de integração e inclusão no tecido social e produtivo dos recém-chegados e a definir as políticas a adotar.
As relações entre os soberanos da Europa e do Norte de África, mais pacíficas ou mais conflituosas, moldaram um conjunto de práticas e normas diplomáticas comuns. Os tratados de paz e comércio estipulados testemunham a longa história das trocas económicas partilhadas e das negociações comerciais, políticas e militares entre as duas costas marítimas. Intercâmbios que, progressivamente, foram tecendo uma rede de contactos, mediadores e referenciais para créditos, trocas e circulação de informação.
A coexistência de membros de diferentes confissões religiosas e nacionalidades colocaram em causa os modelos jurídicos, os padrões culturais e sociais de cada grupo, que, obrigados a partilhar o mesmo espaço urbano, tiveram de, quer quisessem quer não, chegar a acordos de modo a assegurar a convivência.
A economia de resgate, um tema fundamental da fronteira mediterrânica e atlântica, num mundo em mudança e em movimento, inseguro e perigoso, no qual, o cativo aguarda pelo regresso à terra de origem do outro lado daquela fronteira ou, para sobreviver ou por opção, escolhe alterar de lado político ou religioso (os renegados). O estudo de casos concretos de missões de resgate (religiosas e não) e a análise das redes de crédito e dos agentes envolvidos no comércio de cativos, permitem-nos ultrapassar os conceitos de infiel e inimigo, e revelar a natureza transversal dos interesses em jogo nas negociações de resgate. O verdadeiro conflito não era entre cristãos, muçulmanos e judeus, mas sim entre cativos e comerciantes de cativos de qualquer origem, num conflito de interesses, totalmente transversal às fronteiras políticas e confessionais.
Este congresso é organizado no âmbito do projeto exploratório MOVING CITY (EXPL/HAR-HIS/1521/2021), que visa conhecer os efetivos humanos que integraram a Batalha de Alcácer Quibir (1578). O projeto centra-se, para além da história militar do próprio evento, no estudo dos resgates dos cativos causados pela batalha e, de um modo mais geral, dos cativos da guerra do corso mediterrânico e atlântico.
Com o objetivo de incentivar a interdisciplinaridade e a pluralidade do diálogo encontra-se aberta a chamada para propostas de comunicação destinada a investigadores das diferentes áreas temáticas. Os trabalhos poderão ser apresentados em português, espanhol, inglês ou francês, enquadrados em linhas temáticas como as a seguir enumeradas:
- Migrações, livres ou forçadas, e a coexistência no mesmo território;
- Integração da população migrante nas sociedades de acolhimento e nas políticas adotadas pelas autoridades locais;
- Mobilidade e práticas militares;
- Relações entre agentes (comerciantes, cônsules e religiosos) de diferentes nacionalidades;
- Redes de contactos e de circulação de informação;
- Idiomas, língua franca e formas de contacto;
- Diplomacia, passaportes e salvo-condutos;
- Coexistência de membros de diferentes confissões religiosas;
- Adaptação de diferentes jurisdições e padrões culturais e sociais na partilha do espaço urbano;
- Economia de resgate e o tecido económico e social mediterrânico-atlântico;
- Estudo de casos concretos de percursos e de missões de resgate.